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Livro Curar de David Servan-Schreiber*

Quando crescemos em um meio acadêmico, cercado de profissões tradicionais como Medicina, Engenharia, Direito… tendemos a nos referênciar por uma visão de mundo mais concreta. Com o passar do tempo, podemos enraizar essa visão ou nos abrir a novas perspectivas.
Ao mesmo tempo em que podemos alçar novos voos, temos de ser criteriosos nessas investigações para não cairmos em achismos e crendices sem fundamento. Mas na mesma medida, não podemos rejeitar as coisas a priori só porque não conhecemos ou não entendemos como aquilo se fundamenta.
No primeiro capítulo de “Curar: O Stress, a Ansiedade e a Depressão sem Medicamentos nem Psicanálise”, David Servan-Schreiber fala exatamente da possibilidade de buscar novos caminhos de forma responsável e consciente.
É uma reflexão válida tanto para os profissionais, em especial da saúde, quanto as pessoas de um modo geral. Leia on-line o primeiro capítulo do livro.

*autor de “Anticancer”

Apagar memórias traumáticas?


A Revista Galileu de Junho de 2010 traz a reportagem Uma cura para todos os medos. Nela, o que me chamou mais atenção foram duas diferentes perspectivas de tratamento. Uma delas seria uma droga que aplicada logo após o evento traumático, preveniria que ele se tornasse um trauma psíquico ao potencializar a plasticidade cerebral. A outra, já mais questionável, seria de uma droga capaz de apagar da memória o evento traumático. A reportagem discute muito os riscos envolvidos ao se apagar uma memória ou um medo, usando inclusive o exemplo do filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” ondem os personagens, ao apagar seus erros, teimam por repeti-los. Pensando assim, será que é melhor esquecer um sequestro e não aprender a se prevenir, do que lembrar e ser capaz de tomar mais cuidado?

Sei que trago a questão de uma forma bem superficial, mas de qualquer forma, a revista já a abordou de maneira melhor (pena que o texto na integra ainda está disponível apenas para assinantes). Por isso mesmo pretendo discutir outra perspectiva não abordada na reportagem.

No trabalho com EMDR, fico encantado com o quanto, ao reprocessarem o trauma, as pessoas aprendem com as dificuldades que viveram. Pensando dessa forma, ‘apagar’ o medo seria perder essa possibilidade. É claro que se pensarmos nos tratamentos convencionais, o tempo para se obter esse resultado pode ser longo demais, e o custo (tempo de sofrimento até o fim do tratamento) pode não valer a pena. Mas se pensarmos que hoje temos o EMDR como um grande aliado nesse trabalho, para que continuar sofrendo?

Componentes Neurofisiológicos do tratamento com EMDR

Neurophysiological ccomponentes of EMDR treatment

Isabel Fernandez, Roger M. Solomon,

Fonte: http://www.psicotraumatologia.com/pdf/neuroemdr.pdf

As pesquisas em EMDR apresentaram desenvolvimento significativo nos últimos 10 anos. O EMDR consiste em uma atividade de focalização dual (o uso de movimentos oculares ou outras estimulações rítmicas direita/esquerda, durante o foco em material traumático pessoal). Muitas hipóteses foram levantadas para explicar o funcionamento do EMDR e o porque de os resultados clínicos serem significativos. Uma das razões mais prováveis diz respeito ao fato de que parece existir um sistema inato de processamento de informações que é fisiologicamente configurado para facilitar a saúde mental, da mesma forma que o restante do organismo é delineado para curar a si mesmo quando lesado. Quando em funcionamento adequado, esse sistema transforma a informação perceptiva e emocional de um evento traumático em uma resolução adaptativa – informações úteis são armazenadas com afeto apropriado e permanece disponível para uso futuro. O despertar fisiológico e emocional derivado de um evento traumático pode distorcer os mecanismos de processamento da informação. O bloqueio do processamento impede a integração adaptativa por meio das vias noramais. O estímulo fisiológico parece ativar o sistema inato de processamento e pode estar relacionado aos mecanismos inerentes do armazenamento das memórias. O EMDR aparentemente intervém nas funções cerebrais, especialmente no sistema límbico e na amígdala, que já foram identificadas como regiões envolvidas nas experiências traumáticas.

O que os Teste Psicológicos e os exames de neuroimagem nos dizem sobre o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático com EMDR

What Psychological Testing and Neuroimaging Tell Us about the Treatment of Posttraumatic Stress Disorder by Eye Movement Desensitization and Reprocessing

Patti Levin, licsw, Steven Lazrove, Bessel van der Kolk,

Fonte: Journal of Anxiety Disorders, Vol. 13, No. 1–2, pp. 159–172, 1999

Para melhor entender a patologia fisiológica e o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (PTSD), testes psicológicos padrão, teste de Rorschach e neuroimagem usandoTomografia Computadorizada por Emissão de Fótons Únicos (SPECT), foram realizados em indivíduos com PTSD, antes e depois de três sessões de EMDR. Usamos um plano de comparação do paciente com ele mesmo, dados de um de seis sujeitos da nossa série é apresentado na forma de relato de caso. Após o EMDR, o paciente apresentou melhora no nível de sofrimento, o que se correlacionou a diminuição dos sintomas de PTSD e depressão, ao teste psicológico. A análise do Rorschach corrobora essas mudanças. Entre os outros achados, o índice de hipervigilância modificou de positivo para negativo, indicando que o paciente passava menor período de tempo tempo na busca de ameaças ambientais, além de melhoria dos recursos do ego, mensurado pela variável de Experiência Real. O exame de SPECT, realizado durante a lembrança do evento traumático, mostrou que duas áreas do cérebro estavam hiperativas após o tratamento com EMDR se comparado com antes do tratamento: o giro cingulado anterior e o lobo frontal esquerdo. Esta mudança foi consistente nos dados dos seis sujeitos de nosso estudo. Uma importante implicação desses achados é que o tratamento efetivo para PTSD não reduz a estimulação dos níveis limbicos, mas aumenta a capacidade de diferenciação da ameaça real da imaginária. A Psicologia e a Neurofisiologia é discutida em maiores detalhes.

A densidade da substância cinzenta no córtex límbico e paralímbico está associado ao impacto do trauma e os resultados obtidos com o EMDR em pacientes

Gray matter density in limbic and paralimbic cortices is associated with trauma load and EMDR outcome in PTSD patients

Davide Nardo, Göran Högberg, Jeffrey Chee Leong Looi, Stig Larssond, Tore Hällströmb, Marco Pagani,
Fonte: Journal of Psychiatric Research (2009), doi:10.1016/j.jpsychires.2009.10.014

Existem evidências crescentes da existência de alterações estruturais da substância cinzenta (SC), em diferentes estruturas límbicas, em pacientes com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O objetivo deste estudo foi avaliar a densidade da SC no PTSD em relação ao impacto do trauma e avaliar se diferenças na SC entre os que respondem (R) ou não (NR) à terapia com EMDR. Foram realizadas imagens de resonacia magnética em 21 sujeitos expostos a traumas ocupacionais que desenvolveram PTSD (S) e outros 22 que não desenvolveram (NS). Essas imagens foram comparadas por meio de análise de morfometria otimizada baseada em voxels (VBM), conforme implementada pelo SPM (Statistical Parametric Mapping). No grupo S as comparações foram entre 10 R e 5 NR. A análise de regressão entre a densidade da SC e o questionário de antecedentes traumáticos (TAQ), foram feitos em todos os 43 sujeitos. Os resultados nos mostram uma significativa redução aa densidade de SC no grupo S se comparado com o grupo NS no cingulo posterior esquerdo e no giro parahipocampal posterior esquerdo. Além disso, o grupo NR mostrou densidade significativamente menor da SC se comparado com o grupo R, no cingulo posterior bilateral, também na região insular anterior, no griro parahipocampal anterior e na amígdala do hemisfério direito. A análise de regressão mostra que a densidade da SC tem correlação negativa ao impacto do trauma, no cingulo posterior bilateral, na região insular anterior esquerda e no griro parahipocampal anterior direito. Concluímos que uma menor densidade da SC no córtex límbico e paralímbico está associada ao disgnóstico de TEPT, ao impacto do trauma e ao resultado do tratamento por EMDR, sugerindo a hipótese de que o TEPT se caracteriza por distúrbios de memória e dissociativos.